FOTO: Alana Maria
|
A
tentativa de organizar a comida que seria servida na festa do sítio Brejinho,
em Santa Fé, distrito rural de Crato, criou um feliz tumulto na cozinha da nova
casa de Maria Aldenir Araújo, agricultora familiar. Sem se importar com a
bagunça feita por formas de bolo indo e vindo e gente falando alto demais
enquanto carregam as caixas com centos de
salgados, Aldenir manteve o sorriso largo de satisfação. “A festa vai ser
bonita e ninguém vai sair de bucho vazio”, declarou. Empilhando as caixinhas de
salgado e bolo que seriam servidas, Pedro Araujo, esposo de Aldenir, concorda
com a esposa e completa: “Esse dia não poderia ser melhor e eu poderia estar
mais satisfeito”.
Enquanto
parte do pessoal cortava o bolo e separava os salgados, outra parte cuidava dos
preparativos finais para a cerimônia de entrega das chaves que, naquela
quarta-feira, 11, simbolizou nova vida para 46 famílias de agricultores rurais
daquele distrito. Enfim, aquelas famílias deixariam suas casas de taipa e
passar a morar em casas de alvenaria.
Sentada
na plateia à espera da cerimônia, Margarida Marques da Hora resumiu o momento
como “a vitória de uma grande luta”. “Receber essa casa hoje significa
conquista, porque só lutando a gente consegue”, brandou. A conquista veio após
cinco anos de muita papelada e captação de recursos por parte do Sindicato dos
Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Crato (STTR), entidade organizadora do
projeto, junto à Caixa Econômica, através do Programa Nacional de Habitação
Rural, do Governo Federal. Com isso, pela primeira vez em 68 anos de vida,
Margarida vai poder morar em uma casa de tijolos e dormir tranquila, sem medo,
emoção que a fez chorar de felicidade.
O
mesmo sentimento também contaminou Joana Ferreira, 30, que trouxe toda a
família para a festa. Assim como outras 93.847 mil famílias no Ceará, segundo
do último censo do IBGE, Joana morou em casa de taipa da infância à fase
adulta. Prestes a assinar os documentos de sua nova e melhor residência, ela
desafou a angústia. “Eu tava vendo a hora minha casa cair por cima de mim, dos
meus filhos”, revelou. “Sempre morei em casa de taipa, sempre foi assim, e eu
tava achando que sempre ia ser porque é difícil e caro demais para a gente,
agricultor, conseguir um financiamento da casa própria”.
Cada
casa foi orçada em R$ 31.350 e, como parte do acordo, cada beneficiado vai
pagar R$ 1.350, em quatro parcelas de R$ 337,5. Outra negociação firmada ainda
durante a obra foi a construção
assistida, onde os membros da família beneficiada com capacidade de
participar da construção da casa, assim o faria.
Para
Celiane David, secretária de Políticas Sociais do STTR, essa ação é um recurso
utilizado por entidades sociais para envolver a comunidade no trabalho, na
geração de renda e também no pertencimento àquela obra. “Assim a gente evita
que se crie um sentimento de que a casa foi dada. Nada ali foi dado de graça.
Tudo foi conquistado por nossa luta, nossos direitos e, é claro, pelo dinheiro
de todo imposto que pagamos”, avalia.
As
casas possuem 64 m2, com área conjugada em sala e cozinha, dois quartos, um
banheiro, área de serviços, lavanderia e varanda, muito diferente das condições
em que a maioria das famílias de Brejinho viviam. “Ainda temos 150 casas para
outras famílias em fase de liberação do recurso”, explica Celiane, esperançosa.
A
PRECÁRIA MORADIA RURAL
Em
2015, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), realizada pelo
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), registou que o deficit
habitacional no país ultrapassa 6 milhões de moradias. Estima-se que ainda
existam aproximadamente 900 mil casa de taipa no Brasil, o que torna a moradia
rural uma pauta urgente e de grande mobilização pelos trabalhadores organizados
em sindicatos rurais, como dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Crato.
Membro
da direção STTR, Adalmir Brasil, lembrou o grande desafio que é a questão
habitacional no país e como foi dura a trajetória do sindicato. “A maioria dos
diretores do Sindicato são agricultores semi-analfabetos e hoje, nessa data de
entrega, mostramos à todos a nossa conquista, nossa recompensa por todo o
esforço de trabalho e paciência”, declarou.
Vindo
de Fortaleza, o presidente da Federação dos Trabalhadores Rurais Agricultores e
Agricultoras Familiares do Estado do Ceará (FETRAECE), Raimundo Martins
Pereira, explicitou que um dos grandes benefícios de programas como o de
Habitação Rural é a possibilidade de permanência dos camponeses e agricultores
em seus locais de origem. “Acima de tudo, esse programa garante a cidadania ao
homem e a mulher do campo, de melhores condições de ter uma vida digna”,
afirmou.
“Como
se não fosse suficiente a condição precária de morar em casa de taipa, há
também relatos de famílias que compartilham a mesma casa por não ter outra
opção”, denunciou o o ex-agricultor familiar, membro da FETRAECE, e agora
deputado estadual Moisés Braz (PT), presente na cerimônia. Para ele, é de
notoriedade ímpar a experiência realizada em Santa Fé pelo STTR, que propôs e
geriu o programa. “Só quem já morou em casa de taipa sabe como é sofrido”,
afirmou, relatando a própria experiência.
Também
parabenizando a iniciativa, o prefeito do Crato, Zé Ailton Brasil, ofereceu
parceria na realização do evento. No dia, declarou que “São iniciativas assim
que nós (a gestão) apostamos e incentivamos, pois o financiamento de moradia
através do municipio ainda é impossível com o orçamento que as cidades
possuem”, em tom de lamento.
COMEMORAÇÃO
DA DIGNIDADE
Uma
vez com a chave da casa nas mãos, Margarida Marques, 68, puxou a amiga de mesma
idade para dançar ao som da banda de forró arrasta-pé contratada para animar a
comemoração. Enquanto a comida era servida e as crianças corriam para se
enfilerar e receber vatapá, bolo, salgados e refrigerante, Margarida dançava
sozinha com a colega na pista. A expressão do seu rosto não poderia ser de
maior tranquilidade. Ainda não sabia quando iria se mudar, mas tinha certeza de
que logo.
Próximo
à mesa de comida, outro morador remexia freneticamente a chave de sua nova casa
nas mãos. De um lado para o outro e de uma mão para outra, o homem talvez
estivesse sem acreditar no que acontecera e tateasse a chave para concretizar o
fato de que agora possuia uma casa de verdade.
A
festa começou cedo da tarde e se estendeu até o anoitecer. Não se sabe que
horas findou. A comida, de tão farta, daria para abastecer pelo menos duas
outras festas daquela. A alegria, de tão real, deve nutrir as esperanças
aquelas 500 pessoas pelos próximos anos. (Site Cariri Revista)
Postar um comentário