Igreja de São João Batista, no distrito de Araripe, criada em 1868 pelo Barão do Exu após uma promessa |
Exu (PE). No século
XVII, os primeiros bandeirantes desbravam o sertão pernambucano vindos da Bahia
pelo Rio São Francisco. Não demorou muito até encontrar o Rio Brígida que, seguindo
pelos seus 193 km de extensão até sua nascente, havia solo fértil, água em
abundância e muitos animais selvagens. Era a terra dos índios da tribo Ançus,
entroncada da nação Cariri, que moravam no sopé da Chapada do Araripe. Anos
depois, os frades capuchinhos deram início a Missão do Santo Cristo, no Sítio
Gameleira, cerca de 11 km de onde, hoje, está instalado o Município, com
objetivo de aldear aquela população nativa. Lá, surge o Brejo do Exu, que se
tornaria o primeiro povoamento da cidade, hoje, em ruínas, o popular "Exu
Velho".
Na
fazenda Gameleira, surgiu a primeira formação do Município, onde foi construída
a Igreja do Senhor Bom Jesus dos Aflitos, concluída pelos Jesuítas em 1696. A
maioria dos representantes da ordem que passaram pela cidade eram oriundos da
Matriz da Penha, em Olinda (PE), de onde vieram o Frei Venâncio de Santa
Bárbara Lacerda e Frei Carlos de Ferralha. Envolta do santuário havia três ruas
e, nelas, uma possível Casa de Câmara e Cadeia e a Prefeitura. Provavelmente, a
mão de obra destas edificações foi de escravos e índios da tribo Ançu.
Mais
de três séculos depois de criada, o "Exu Velho" virou ruínas em que
se destaca, ainda, a Igreja que preserva as paredes e parte do piso. Mas o mato
tomou conta da antiga cidade, que migrou no final do século XIX para o sítio
Lagoa dos Cavalos, o "Novo Exu". Muita coisa foi soterrada pela
erosão no sopé da Chapada do Araripe que motivou a saída dos moradores.
"Lá,
eles viram que não era um terreno apropriado para crescer um vilarejo. A sociedade
achou que centralizando a cidade era melhor", acredita Amparo Alencar,
professora aposentada e moradora de Exu.
Já
Givaldo Peixoto de Carvalho, promotor aposentado e memorialista, acrescenta
outra teoria para o fim da cidade de Exu no Sítio Gameleira. "Com o tempo,
o pessoal ia para a região da Pamonha que plantava mandioca e fornecia muito
para o Piauí e Ceará. Se criou uma feira. Qualquer atividade jurídica era na
Gameleira, mas a feira ia fazer na Pamonha. Todo esse sertão do Araripe trazia artigos
de couro e queijo para lá e levava rapadura, farinha, que vinha do
Cariri", explica. Além disso, ele acredita que, por ser próximo às fontes
do Rio Brígida, a região era brejosa e o gado atolava. "É tanto que o gado
foi criado na parte mais seca, mais aberta da Caatinga. Não dava certo a sede
continuar ali", acrescenta.
Ainda
que houvesse muita divergência até a decisão final do terreno que alicerçaria a
Nova Exu para a Lagoa dos Cavalos, em 1895, pela família Alencar, detentora da
maior parte das terras da região, o Padre João Batista de Holanda optou pela
mudança. Da freguesia do Senhor Bom Jesus dos Aflitos de Exu, criada em 1734,
surgiu o município autônomo em 1893, que foi suprimido dois anos depois e
restaurado em 1907 como "Novo Exu", que em 1938, por decreto
estadual, se tornou, apenas, Exu. Além da imponência da Igreja - grande para
uma construção no meio da mata -, o local sediou acontecimentos exuenses
históricos como a proclamação da adesão dos povos do sertão à Revolução
Pernambucana de 1817, por Luiz Pereira da Caiçara.
Bárbara
de Alencar
Os
registros mostram que Bárbara Pereira de Alencar, irmã de Luiz, foi a única
mulher a aderir ao movimento e a primeira presa política do País. Dentro das
paredes da capela que partiu todo trabalho de divulgação do movimento também
para o Ceará, através de Tristão Gonçalves de Alencar, filho de Bárbara.
As
ruínas do Exu Velho se encontram na Fazenda Gameleira, numa estrada de terra a
pouco mais de um quilômetro da BR-122. Não há nenhuma placa que sinalize o local.
A área onde encontra-se os vestígios da antiga cidade é particular, mas é
possível visitar com agendamento prévio. Excursões de escolas e universidade
visitam o patrimônio, enquanto os proprietários chegam a cobrar R$ 20 por cada
estudante. Da casa sede, são poucos minutos de caminhada por meio da mata
fechada no sopé da Chapada do Araripe.
Lá,
não há nenhum tipo de tombamento seja ele municipal, estadual ou nacional. No
site da Prefeitura de Exu, um parágrafo, sem imagens, é dedicado às ruínas no
setor "Principais Pontos Turísticos". Até agora, nenhum arqueólogo
visitou o local para descobrir o que ainda restou do primeiro povoamento do
Município. Nas paredes da antiga igreja jesuíta, dezenas de pessoas deixaram
seus nomes escritos nas pedras que sustentam a estrutura. Algumas velas e uma
pequena cruz no centro, onde antes era o altar.
Segundo
o arquiteto cratense Waldemar Arraes, que conheceu as ruínas através de livros
de história de Exu, a medida ideal para se tomar no local é realizar sua
preservação e uma prospecção arqueológica para descobrir o restante das ruínas,
"porque ainda deve ter alguma coisa lá enterrada", explica. Para ele,
além disso, lá há uma importância histórica e arquitetônica para o Nordeste e
Brasil, pois se trata de igreja colonial e também conta sobre o descobrimento
do Cariri. "O escritor João Brígido conta que alguns bandeirantes que
vinham da Bahia chegaram até a Chapada através de índios que disseram que tinha
um vale com água. O povoamento chegou por Missão Velha. Mas o descobrimento do
Cariri foi através dali", ressalta.
"Lá
deve ter um traçado de ruas e alguns alicerces de casas ou de Casa de Câmara e
Cadeia. Pode ser que tenha uma cidade inteira coberta pelo mato", acredita
Waldemar. Para o arquiteto, o mais adequado seria um tombamento pelo Instituto
do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). "Mas para que se
tombe tem que partir da população o interesse por tombamento. Ela se manifesta,
faz um pedido ao Iphan. Teria que ter interesse primeiro para acionar, investigar
e ver se tem sentido historicamente e arqueologicamente. Além de preservar a
memória e a história, Waldemar acredita que o tombamento poderia gerar um
incremento na economia de Exu, como acontece nos países europeus que mantém a
arquitetura.
Alto
custo
O
memorialista Givaldo Pereira de Carvalho acredita que o tombamento das ruínas
de Exu ou quaisquer outros bens materiais não é possível pelo custo que geram e
a falta de orçamento. "Nunca tem dinheiro. No (Parque) Aza Branca quase
não contribui com nada. Agora, nos últimos anos não participa de nada",
brada, citando o equipamento tombado a nível estadual pela Fundação do
Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco (Fundarpe). Já Thereza Oldam de
Alencar, professora aposentada, escritora e memorialista de Exu, afirma que, no
contexto atual, não é possível tombar pela incompreensão dos donos. "Seria
ótimo, mas haveria briga. O turismo aqui poderia ganhar".
Terra da heroína Bárbara de Alencar
Do
outro lado do Oceano Atlântico, na região do Minho, em Portugal, vieram os
irmãos Leonel de Alencar Rego, João Francisco, Alenxandre e Marta. O primeiro
se instalou no alto do vale do Rio Brígida, na fazenda Cayssara - atual Caiçara
- , em Exu, no ano de 1709. Os demais tomaram outros rumos do Ceará e Piauí.
Conta-se que Leonel chegou ao sertão pernambucano por causa da descrição feita
por vaqueiros de um lugar rico em vegetação, muita água e clima agradável. E
por lá ficou.
Seu
filho, Joaquim Pereira de Alencar, comandou a expansão das terras da fazenda
que, na época, abrangia territórios que hoje são de municípios vizinhos como
Granito e Bodocó. Foi no Caiçara que, no dia 11 de fevereiro de 1760, nasceu
sua filha, Bárbara Pereira de Alencar, considerada uma heroína da Revolução
Pernambucana (1817) e Confederação do Equador (1824). Pela Lei 13.056 de 22 de
Dezembro de 2014 teve o seu nome inscrito no Livro dos Heróis da Pátria,
depositado no Panteão da Pátria e da Liberdade Tancredo Neves, em Brasília.
No
entanto, sua história revolucionária começaria a 70 km distante de sua terra
natal, no Crato, cidade cearense vizinha a Exu, do outro lado da Chapada do
Araripe. Por lá, casou com José Martiniano, uma das lideranças da Revolução de
1817, pai do escritor José de Alencar, e do famoso Tristão Gonçalves de Alencar
que comandou a Confederação do Equador no Ceará e foi presidente da Província.
Apesar
de ser mulher de família rica e atuar como fazendeira no Cariri cearense,
Bárbara impulsionou os ideias republicanos no Ceará e participou das discussões
e reuniões da Revolução de 1817. De Exu, disseminou a carga revolucionária no
Sul da província até ser capturada e enviada para o Forte de Nossa Senhora de
Assunção, em Fortaleza. Na cadeia subterrânea, passou três anos de trabalho
forçado. Mesmo assim, ao sair, se juntou à Confederação do Equador, em 1824. É
considerada a primeira presa política do Brasil.
E
lá no Sítio Caiçara, a 13 km da sede de Exu, continua erguida a casa construída
início do Século XVIII, de Leonel de Alencar Rego, avô de Bárbara, onde a
heroína nasceu. Tudo isso graças ao apoio dos descendentes da família
"Alencar", tendo à frente, principalmente, a professora aposentada
Maria Amparo Alencar. Ela foi responsável por arrecadar o dinheiro para reconstruir
o imóvel em 1995.
"Eu
estive fora de Exu seis anos. Deixei a casa de pé. Depois ela tinha ruído e só
tinha as paredes externas. Tinha o piso, conseguiram tirar umas madeiras e
telhas e guardaram. Olhei e vi que tinha possibilidade de ser recuperada. Reuni
o pessoal que quis e a história se espalhou com muita aceitação. Dentro de um
ano colocamos de pé do jeito que está hoje", descreve Amparo,
acrescentando que foram necessários sete tipos de tijolos para reconstruir o
mais próximo da arquitetura original.
A
casa onde nasceu Bárbara de Alencar é um museu que dá vida ao espaço. Um valor
de R$ 5, por visitante, ajuda a preservar o imóvel. Mesmo assim, infelizmente,
nem os próprios moradores conhecem o local, que também não possui nenhum tipo
de tombamento a nível municipal, estadual e nacional. "O pessoal anda
longe de ter a consciência. Não é por maldade. É cultural", lamenta
Amparo.
Segundo
ela, nem mesmo nas escolas exuenses os bens materiais são trabalhados pelos
professores. Ano passado, na comemoração dos 200 anos da Revolução
Pernambucana, foi colocada uma placa e foram feitos convites para os gestores
de educação participarem no museu. "O comparecimento foi zero",
desabafa Amparo. "Tem hora que desencoraja a gente e tem hora que motiva
muito mais", acrescenta a ex-professora, ressaltando que recebe visitante
de São Paulo e Rio de Janeiro. "Até José Serra, quando governava São
Paulo, veio aqui, mas os governantes de Pernambuco nunca", completa.
Para
o arquiteto Waldemar Arraes, a restauração do primeiro imóvel da família
Alencar foi um belo trabalho, refeito de acordo com peças originais como as
telhas e tijoleiras hexagonais. "Foi reerguida fiel ao que existia
anteriormente. Foi deixado material de prova para saber de que tipo era feita.
É uma restauração benfeita", garante.
Por
outro lado, pontua que este tipo de trabalho vai ter intervenção de qualquer
forma no imóvel. "O ideal é não restaurar nada. Se você puder manter,
conservar, deixar em pé e não restaurar, é o melhor que pode fazer. Mas chega a
um ponto que está tão degradada que tem que intervir com restauração. Se tiver
condições de manutenção e não restaurar, melhor", acrescenta.
A
poucos metros do Museu de Bárbara de Alencar, na beira da "estrada de
chão", há um marco do local exato onde nasceu Luiz Gonzaga, também da
Fazenda Caiçara. A comunidade faz parte do distrito de Araripe onde, em sua
sede, outros importantes imóveis resistem ao tempo.
Um
deles, é a casa de Januário, tombada pela Fundarpe, mas abandonada pela
Secretaria de Cultura de Pernambuco. "Ela é propriedade nossa, tombada
pela Fundarpe, mas eles não têm cuidado. Na época do centenário (de Luiz
Gonzaga), estava em situação difícil, quase caindo. A imprensa repercutiu na
época no Brasil inteiro. Então, chegou um pequeno auxílio, mas não o
suficiente. Foi preciso meu irmão queimar telha, outro dar isso e aquilo",
denuncia Amparo Alencar.
Igreja
No
distrito de Araripe, além da casa onde nasceu Bárbara de Alencar, há uma
imponente igreja construída há 150 anos, por Guálter Martiniano de Alencar
Araripe, o Barão de Exu. Segundo Thereza Oldam de Alencar, que é bisneta e uma
das herdeiras do templo religioso, a edificação surgiu a partir da seguinte
promessa: se o surto de cólera não atingir o Município, ergueria uma paróquia
para São João Batista.
Em
1862 a doença chegou à cidade vizinha de Crato, no Ceará, e matou
aproximadamente 1.200 pessoas em três meses. Para a época, era muita gente, já
que a cidade caririense possuía pouco mais de 8 mil habitantes. Temendo que
acontecesse o mesmo em Exu, Guálter Martiniano, que era muito religioso fez o
pedido. E deu certo. "Não houve um caso de cólera em Exu. Um verdadeiro
milagre", conta Thereza. No dia 23 de junho de 1868, foi inaugurada a
Igreja de São João Batista. (Diário do Nordeste)
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