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Cachoeira de Missão Velha, há um mês (20/2), com abundância de água. FOTO: Antonio Rodrigues |
A
redução das chuvas no Ceará nos últimos 17 dias aumenta a preocupação do
governo, que teme agravamento da crise hídrica que castiga o Estado desde 2012,
e a perda de safra agrícola. O meteorologista da Fundação Cearense de
Meteorologia e Recursos Hídricos (Funceme), David Ferran, explicou que quando o
ano é considerado seco, do total do volume de todas as águas que caem no
Estado, em média, só 1% chega aos reservatórios. Em períodos de chuvas acima da
média, esse percentual varia entre 5% e 10%.
Sem
recarga significativa nos reservatórios, o abastecimento fica comprometido para
o último trimestre deste ano em várias cidades. Até ontem, choveu apenas 52,3mm
(25,7%) do esperado para março, cuja média histórica é de 203.4mm.
Caso
o quadro atual persista até o fim deste mês e no decorrer de abril, as reservas
hídricas de importantes açudes devem atingir no transcorrer do ano volume
morto, agravando ainda mais a situação de abastecimento de médios e grandes
centros urbanos. "Estamos atravessando um ano limite no volume da maioria
dos reservatórios e, senão houver chuvas intensas e próximas, a situação vai
ficar muito complicada", observou o secretário Executivo da Secretaria de
Recursos Hídricos (SRH), Aderilo Alcântara.
No
início da quadra chuvosa, em 1º de fevereiro, o volume médio acumulado nos 155
reservatórios monitorados pela Companhia de Gestão dos Recursos Hídricos
(Cogerh) era de 7,1%. De acordo com o Portal Hidrológico da Cogerh, ontem, era
de 8,4%. Os dados demonstram que, até agora, houve um aporte mínimo de 1,3%.
"O
veranico que se observa neste mês de março foi bastante prejudicial para a
ocorrência de aportes", observou David Ferran. "Esse intervalo
atrapalha. É preciso que as chuvas sejam concentradas em um período para que a
água escorra e chegue aos açudes".
A
Funceme, ontem, registrou precipitações em 72 municípios. As cinco maiores
foram observadas em Pentecoste (50.6mm), Barreira (45mm), Madalena (37.8mm),
Jaguaribe e Catunda (36mm). A expectativa para os próximos três dias não são
nada animadoras. "A previsão não está muito otimista. As chuvas devem
continuar isoladas e, muito provavelmente, março vai ficar abaixo da
média", pontuou David Ferran.
A
imagem de satélite fornecida pela Funceme mostra que a Zona de Convergência
Intertropical (ZCIT), que é uma imensa massa de nuvens e o principal sistema
que traz chuvas para o Ceará, nesta época do ano, está afastada da costa
cearense.
"Há
um sistema de alta pressão que vem inibindo a formação de nuvens de
chuva", explicou Ferran. Para hoje e amanhã, segundo a Funceme, há
possibilidade de chuva no litoral, na Serra da Ibiapaba, no Maciço de Baturité
e no Cariri. As chuvas devem continuar de forma isolada. Esse tipo de
precipitações não favorece a cheia de riachos, rios e até mesmo de pequenos
reservatórios porque a água tende a se infiltrar no solo.
Perda
Desde
2012 que o Ceará enfrenta perda seguida das reservas hídricas dos principais
reservatórios. Um ou outro foi beneficiado no período com recarga. Nesse
período, os aportes sempre estiveram abaixo da média. Em 2017, foi registrado o
maior da série, cerca de 1,45 bilhões de metros cúbicos. Em março de 2017,
houve um aporte de 700 milhões de metros cúbicos e no atual março, até ontem,
de apenas 210 milhões m3. De um total de 28 mil açudes, entre um e um meio hectare
de área, cerca de 22 mil estão secos, no Estado.
A
situação vem se agravando porque os poços estão secando no sertão cearense.
Aderilo Alcântara observa que o trabalho de perfuração de poços continua, mas
tem aumentado a quantidade daqueles que apresentam reduzida vazão ou estão
secos. "O lençol freático está muito baixo e há perda de suas reservas com
a sequência de anos ruins de chuva", pontuou. O tempo está passando, o fim
do mês se aproximando e o Ceará não registra significativo aporte em seus
principais e estratégicos reservatórios. "Até mesmo os açudes da Região
Metropolitana de Fortaleza, que poderiam ser beneficiados com as chuvas na
faixa litorânea, estão com volume reduzido", lamenta o presidente da
Cogerh, João Lúcio. "Outra preocupação é com o Banabuiú, que continua sem
recarga, com a região do Sertão Central, que está seca". Em várias regiões
do Ceará já se observa risco elevado ou mesmo perda da lavoura. Nos sítios
Cajás, zona rural de Iguatu, os agricultores lamentam perda do cultivo de milho.
"Aqui não há mais o que esperar. A lagarta atacou e o milho murchou. A
chuva não veio faz dezessete dias", disse o agricultor Marconi Souza.
"Nessa região do Alencar, muita gente já perdeu a safra e o desânimo é
geral. Eu mesmo vou abandonar a agricultura. Não dá mais", desabafou.
"O
sol queimando como se fosse verão", bradou o vendedor Francisco Pereira,
sobre o tempo seco na maior parte do mês de março, até agora. O Cariri cearense
voltou a receber chuvas em mais de 10 municípios, na última segunda-feira (19),
após 13 dias, atingindo 11 cidades. Entretanto, o resultado foi mais animador
entre 7h da segunda-feira e às 7h de ontem (20), já que 16 municípios
registraram chuvas na macrorregião, segundo a Funceme.
Mas
isso ainda não é suficiente para reanimar os agricultores. As macrorregiões
mais beneficiadas com as chuvas foram o Litoral Norte e a Ibiapaba. Já o Cariri
está com um desvio negativo de 80,2% de sua média. Os dados são preliminares. O
meteorologista David Ferran afirma que, desde a semana passada, havia a
presença do Vórtice Ciclônico de Altos Níveis (VCAN), no leste do Nordeste
Brasileiro, que se tornou um Cavado de Altos Níveis (CAN). Foi o deslocamento
deste sistema que causou as chuvas no Estado nos últimos dias.
"Esse
sistema deve persistir pelo menos até esta quinta-feira. Ainda há tendência de
poucas chuvas em todo o Ceará. Sobre o Cariri, há possibilidade de chuva na
quarta e na quinta-feira, porém, sendo estes eventos de pouca
intensidade", disse Ferran.
Na
zona-rural de Crato, muitos agricultores foram afetados pela ausência de
precipitações mais intensas desde o último dia 2 de março. De lá para cá, não
choveu em 11 dias e, quando caiu água, não passou dos 13 milímetros registrados
nessa segunda-feira (19), Dia de São José. O Município apresenta um desvio
negativo de -74.5%, até agora, neste mês de março. O pior, no Cariri cearense,
é na cidade vizinha de Nova Olinda, tendo desvio negativo de 98,6%.
Crítico
No
sítio Rodeador, distrito de Ponta da Serra, cerca de 16km da sede do Município,
a falta de chuvas afetou a produção do agricultor Antônio Leite Alexandre.
"Aqui está crítico. Se não chover logo, vamos perder legumes. Tem o que
plantou e não nasceu. O pouco que nasce o passarinho arranca", descreve. A
dificuldade só não é maior graças a cisterna que ainda conseguiu pegar um pouco
de água.
O
vendedor Francisco Pereira, que compra legumes e verduras dos agricultores,
afirma que tem encontrado muita "roça perdida. O rendimento caiu e não tem
como recuperar. Só Deus mesmo. Muitas pessoas estão no prejuízo. Daqui a 10
dias, se não tiver chuva regular, não tem como recuperar mais. De Caririaçu
para cá está tudo seco".
(Diário do Nordeste)
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