O
sertanejo cearense se fortaleceu na fé. Há séculos. A religiosidade do homem e
da mulher do campo remonta à colonização com a sua herança católica, advinda de
Portugal, que aqui ganhou contornos próprios de uma expressão ora mística, ora
popular, quase sempre fugindo da imposição oficial da Igreja. A fé nos santos é
um exemplo. E São José, padroeiro do Ceará, é um dos mais venerados no Interior
cearense.
No
Estado, em 19 paróquias e em centenas de capelas em vilas rurais e áreas
urbanas, os devotos rezam e cantam, participando de novenários, caminhadas,
missas, ofícios e louvores dedicados a São José, cuja data se comemora com
feriado estadual na próxima segunda-feira, 19. Os católicos renovam preces,
fazem novos pedidos e agradecem às graças alcançadas.
"São
José é um dos santos mais populares", observa o monsenhor Afonso Queiroga.
"É o patriarca da Igreja, é o exemplo de obediência, é o pai adotivo de
Jesus Cristo". A fé fez com que os bispos dom José Mauro Ramalho e dom
José Doth de Oliveira oficializassem São José como padroeiro da Diocese de
Iguatu em substituição a Senhora Sant'Ana. Doth edificou a catedral dedicada ao
santo, que lhes dá o nome de batismo.
Chuva
Quando
os anos ficam escassos de água, aumentam as preces e o sertanejo fortalece a
sua fé, apelando para o pai adotivo de Jesus Cristo. Há uma relação entre São
José e as chuvas no Ceará. Em período de estiagem, a data dedicada ao santo é
considerada o limite. "Se não chover até o Dia de São José, o sertanejo
perde a esperança no inverno", observa o presidente do Sindicato dos
Trabalhadores Rurais de Iguatu, Evanilson Saraiva. "Outros já acreditam
que, chovendo no dia 19, o inverno está garantido".
Monsenhor
Queiroga separa a ocorrência de seca e de chuva da vontade dos santos e de
Deus. "Há um forte sentimento de religiosidade popular entre os católicos,
os sertanejos, que precisa ser compreendido e respeitado", frisou.
"Os mistérios de Deus, entretanto, são incompreensíveis e cada devoto
carrega a sua fé, a sua experiência particular".
A
série histórica mostra que março é o mês que se registra maior pluviometria no
Ceará durante a quadra chuvosa (fevereiro a maio). A ocorrência do Equinócio em
março (20/21), quando dia e noite tem igual duração por causa da passagem do
sol sob a linha do Equador, marca a mudança de estação - o início da Primavera
no Hemisfério Norte e do Outono no Hemisfério Sul.
Esse
fenômeno natural pode influenciar a ocorrência de chuva e pode ter contribuindo
para alimentar a fé sertaneja dada a proximidade do dia dedicado a São José
(19).
Ciência
à parte, os devotos não se cansam de rezar e renovar preces a São José. E um
dos maiores pedidos é para ocorrência de chuvas. Os próprios padres alimentam
durante os novenários essa crença popular. Afinal, os celebrantes lembram das
dificuldades no campo, dos anos secos, da falta de chuva e pedem oração para a
retomada do inverno.
Um
exemplo de devoção firme a São José vem da localidade de Baú, na zona rural do
Ceará. Os católicos do lugar festejam o santo há 122 anos. A fé é tão grande
que as novenas se prolongam por todo este mês de março, na capelinha dedicado
ao santo na comunidade. "Na verdade, temos um trinário, 30 dias, e não
novenário, nove dias", observa o veterinário e animador da festa, Mauro
Nogueira.
No
próximo dia 19, será celebrada missa campal, sob a sombra de um fícus-benjamim,
ao lado da capela centenária, pela manhã, atraindo devotos dos sítios vizinhos.
É dia de festa na comunidade.
Cada
devoção tem uma história de fé. No sítio Baú, nasceu da experiência de um
agricultor, mas por razão particular, que diferencia dos pedidos por um bom
inverno. Em 1896, o agricultor José Alves de Oliveira, fiel às tradições da
religiosidade popular, em um momento de muita aflição, por ocasião do
nascimento de um dos seus filhos, fez promessa e, com a graça alcançada, ergueu
a capela e dedicou o templo a São José.
A
neta, Zenalda Alves de Oliveira, conta que a avó, Clara Alves de Oliveira,
enfrentava um parto difícil, sem possibilidade de sucesso e risco de morte para
a mãe e a criança. "Naquele tempo não havia recursos de medicina, presença
de médicos e os partos eram feitos por parteiras", lembra. "Depois de
ver esgotado todos os meios, num ato de fé e de confiança, meu avô invocou a
intercessão de São José e como gratidão pela graça alcançada edificou a
capela".
Desde
então, a família e os moradores celebram novenas ao longo do mês dedicado ao
santo. "A fé se mantém, passando dos pais para os filhos", observa
Zenalda Oliveira.
O
agricultor, José Vieira lembrou que ainda criança participava do novenário, ao
lado dos pais. "Sou devoto, acredito em Jesus e em São José", disse.
"A gente começa a rezar desde cedo e continua com a fé em nossa
religião".
A
dona de casa, Vilena Souza, também diz que os pais e avós participavam das
celebrações na comunidade. "É uma tradição que a gente segue e no dia do
santo moradores de outros sítios participam da missa com alegria e muita
fé".
Abundância
Em
sua experiência popular, o agricultor sabe que os homens tardam em apresentar
soluções, políticas públicas eficazes, para combater os efeitos da escassez de
chuva que se arrasta no sertão desde 2012. Restam-lhes, portanto, dirigir
preces ao céu para que derrame água com abundância e melhore a vida na terra.
O
agricultor Raimundo de Brito é um deles. "Tenho o costume de plantar no
Dia de São José porque acredito no santo", disse. (Diário do Nordeste)
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